São Paulo e Brasília — Um dos principais enigmas no desafio de encontrar a cura para a Aids é entender como o vírus se esconde no corpo humano. Hoje, já se sabe que o micro-organismo cria reservatórios virais, sobretudo na região do intestino, dificultando, assim, a ação dos medicamentos. Extinguir esses depósitos de HIV, portanto, é ação-chave para combater a doença. Uma das alternativas estudadas por cientistas foca na ativação do sistema imunológico do paciente, em um processo que funciona como os anticorpos de uma vacina. Na próxima semana, o pesquisador escocês Mario Stevenson, chefe da Divisão de Doenças Infecciosas da Universidade de Miami, nos Estados Unidos, divulgará resultados promissores nesse sentido, em uma revista especializada.
Segundo o cientista, que acompanha há mais de 25 anos as causas da Aids, para se chegar à cura da doença, será preciso identificar um meio de eliminar os reservatórios virais. Quando um soropositivo toma os medicamentos antirretrovirais, o HIV não é eliminado, chega a taxas em alguns casos indetectáveis, mas pode se esconder em algumas células. Se um tratamento conseguir fazer com que o vírus saia do esconderijo, há a possibilidade de ele ser eliminado completamente do corpo.
O caso de Timothy Ray Brown, conhecido como paciente de Berlim, é um dos pilares da pesquisa. Vítima de leucemia, ele se livrou do HIV depois de receber um transplante de medula óssea, há oito anos, como tratamento contra o câncer. O doador tinha uma rara mutação no gene CCR5, que impedia o seu corpo de produzir uma proteína usada pelo vírus da Aids para infectar humanos. Pessoas com essa característica genética são imunes ao HIV. “A técnica (usada no paciente de Berlim) é eficaz, mas não é seguro promover esse tipo de tratamento em larga escala. A taxa de mortalidade chega a 25% e os custos são muito altos. Além disso, é trabalhoso conseguir um doador compatível com o paciente que tenha também a mutação no gene CCR5”, pondera Stevenson.
Retorno perigoso
Neste momento, centenas de estudiosos estão debruçados sobre as bancadas de seus laboratórios desenvolvendo pesquisas para ceifar o HIV do corpo de quem é acometido pelo vírus. Um grupo de cientistas dos Estados Unidos, da Dinamarca e da Alemanha desenvolve um medicamento que funciona como os anticorpos. A droga tem efeitos colaterais, como fadiga, diarreia, hiperglicemia e anemia. Em casos raros, pode levar à formação de coágulos no sangue.
Mas o que mais causa receio entre os estudiosos é o que pode acontecer quando se tira o vírus da latência — condição imposta pela ingestão de antirretrovirais — e o obriga a sair de seu esconderijo. Oito soropositivos receberam a medicação e tiveram a produção do micro-organismo multiplicada por quatro, resultado divulgado em 2012. Agora, é realizada uma nova experiência na qual os pacientes recebem mais doses de medicamento, durante mais tempo. O resultado deve ser apresentado nos próximos meses.
Para saber mais
Corretor genético
O adenoassociado vírus (AAV) está presente em 70% dos adultos, mas não provoca sintomas, nem agravos. O vírus do resfriado pode despertá-lo, daí a origem de seu nome. Pesquisadores suíços descobriram, em 2001, que ele pode entrar no organismo e substituir os genes defeituosos por bons. Inicialmente, foi usado para matar células cancerígenas. Desde então, é aliado em outras formas de terapia genética.
No começo deste ano, cientistas da Universidade de Harvard utilizaram o AAV em ratos que tinham disfunção auditiva genética, conhecida como síndrome de Usher, e tiveram resultados promissores — as cobaias passaram a ouvir “sussurros” depois do tratamento. Em 2014, nos Estados Unidos, mais de 20 pessoas que perderam a visão em decorrência de um defeito genético conhecido como amaurose congênita de Leber (ACL) voltaram a enxergar graças a um tratamento desenvolvido com o micro-organismo.
Fonte: Correio Braziliense.